terça-feira, 24 de maio de 2011

A Onda


A Onda
Título Original: Die Welle
Gênero: Drama
País: Alemanha
Ano de Produção: 2008
Tempo de Duração: 107 minutos
Lançamento na Alemanha: 13/03/2008
Lançamento no Brasil: 08/2009
Direção: Dennis Gansel
Roteiro: Dennis Gansel e Peter Thorwarth, baseado no livro de Todd Strasser
Elenco: Jürgen Vogel (Rainer Wenger), Frederick Lau (Tim Stoltefuss), Max Riemelt (Marco), Jennifer Ulrich (Karo), Christiane Paul (Anke Wenger), Jacob Matschenz (Dennis), Cristina do Rego (Lisa), Elyas M’Barek (Sinan), Maximilian Vollmar (Bomber) e Max Mauff (Kevin)

Sedes Sapientiae

Simpósio do Departamento de Formação em Psicopedagogia

Desafios frente às violências: intervenções na interface

Educação/Saúde

Maio 2011

Comunicação oral

PSICOPEDAGOGIA E CINEMA: o filme A ONDA 

            Apresentamos reflexões psicopedagógicas sobre o filme A onda, de Dennis Gansel, baseado em fato real ocorrido em 1967, em escola secundária norte-americana localizada em Palo Alto, na Califórnia, Estados Unidos. Antes de virar filme ambientado na Alemanha, a história foi romanceada em livro. A intenção inicial do professor que viveu essa experiência na vida real era de que o curso fizesse parte do currículo da escola, a fim de que servisse de objeto de reflexão e ainda prevenisse contra a onda nazifascista iniciada no final da década de 30.
A onda traz a seguinte trama: Rainer Wenger, professor, deve ensinar seus alunos sobre autocracia, depois que o curso sobre anarquismo, seu tema de predileção, é assumido por outro professor. Devido ao desinteresse dos alunos e à sua própria falta de histórico nas aulas sobre esse tema, propõe um experimento que explique na prática os mecanismos do fascismo e do poder. Wegner se denomina o líder daquele grupo de alunos, escolhe o lema “força pela disciplina” e dá ao movimento o nome de "A onda", nome votado pelos alunos. Em pouco tempo, os alunos começam a aderir às propostas do professor, voltadas para o poder da unidade, e a ameaçar os outros. Quando o jogo fica sério, Wenger decide interrompê-lo. Mas é tarde demais, e "A onda" já saiu de seu controle.
O discurso final, proferido pelo professor Ross na primeira versão do filme feito nos Estados Unidos em 1981:
“Vocês trocaram sua liberdade pelo luxo de se sentirem superiores. Todos vocês teriam sido bons nazifascistas. Certamente iriam vestir uma farda, virar a cabeça e permitir que seus amigos e vizinhos fossem perseguidos e destruídos. O fascismo não é uma coisa que outras pessoas fizeram. Ele está aqui mesmo em todos nós. Vocês perguntam: como que o povo alemão pode ficar impassível enquanto milhares de inocentes seres humanos eram assassinados? Como alegar que não estavam envolvidos. O que faz um povo renegar sua própria história? Pois é assim que a história se repete. Vocês todos vão querer negar o que se passou em “A onda’”. Nossa experiência foi um sucesso. Terão ao menos aprendido que somos responsáveis pelos nossos atos? Vocês devem se interrogar: o que fazer em vez de seguir cegamente um líder? E que pelo resto de suas vidas nunca permitirão que a vontade de um grupo usurpe seus direitos individuais. Como é difícil ter que suportar que tudo isso não passou de uma grande vontade e de um sonho”.
Do ponto de vista psicopedagógico, devemos nos fazer algumas indagações: Como desenvolver a autonomia do pensar e conhecer frente à massificação, ao fanatismo e à intolerância do ser humano? Como lidar com as situações de ensino-aprendizagem em grupos atraídos pela massificação de consumo: aqueles que se veem como iguais, com códigos próprios, o que os leva a atos de rejeição aos “mais fracos” ou “diferentes”?
A animosidade do grupo com as pessoas que decidem não usar o uniforme, a agressão física do namorado frente às críticas que a protagonista faz ao movimento e a cena final, quando o aluno que se levanta no auditório contra A Onda é imobilizado, são algumas situações de intolerância dos membros do movimento. Atos de violência do grupo de jovens, no filme, nos levam a pensar sobre que aspectos psicopedagógicos?
O filme “A Onda”, segundo Lima (2011), constitui-se numa metáfora correspondente a vários movimentos marcados pela presença de um líder carismático, sejam os Carecas do ABC paulista e os grupos de skinheads espalhados pelo mundo, entre vários outros. Nesses movimentos de líderes de poder autoritário e carismático, há sempre um chamado aos jovens para pertencerem a uma causa alheia aos interesses imediatos dos adolescentes. .      
A massificação, o fanatismo e a intolerância ao ser humano são a tônica desses movimentos, representados no filme pelos jovens de camisa branca que não têm autoria de pensamento, cuja identidade pessoal é arrebatada pela massificação do grupo.  Os alunos desprezam o diálogo e se sustentam pelo argumento da emoção.
O filme nos leva a refletir sobre a perda de liberdade do “sujeito” que, do ponto de vista psicopedagógico, lemos com a falta da autonomia de pensar. No grupo retratado pelo filme, há massificação de pensamentos, com o predomínio de ordens e de ações. Em contrapartida, temos nos dias de hoje a massificação de costumes ditada pela mídia eletrônica e digital. Como ficam os sujeitos diferentes?  Submetendo-se incondicionalmente ao poder do grupo, com palavras de ordens ditadas por vezes pelas de redes sociais, em direção a uma ação automática de subserviência absoluta, fazendo desaparecer o sujeito autônomo que pensa e cria.
Eco (1995), ao discutir em artigo a nebulosa nuvem fascista que paira sobre o mundo atual, ressalta os sintomas da ascensão do irracional humano nos grupos nazifascista que pregam algum tipo de supremacia. Cita o fundamentalismo religioso (cristão, islâmico e judaico), como também ações criminosas vinculadas ao narcotráfico e ao terrorismo de grupos ou de Estado, com ausência de um projeto politico. O autor ainda assinala três sintomas: o desprezo pelo diálogo, o ato pelo ato, o argumento pela emoção e não pela razão. Para ele é justamente “a ação pela ação” e a “luta pela luta” que caracterizam muitos movimentos sociais da atualidade com traços fascistas.
Perante essas colocações, enquanto profissionais voltados para as questões psicopedagógicas, faz-se urgente refletirmos e, sobretudo, estarmos informados a respeito de tendências que destituem a autonomia do pensar e do conhecer, em favor de uma liderança carismática que venha aparentemente suprir necessidades individuais e grupais, com um chamado de igualdade e de um novo sentido existencial no mundo.

LIMA, Raymundo “ ‘A onda’ e o irracionalismo dos grupos”.  Disponível em  www.espacoacademico.com.br
ECO, Humberto. “A nebulosa fascista”. Disponível em www.biblioteca folha.com.br

Participantes:
Alcione M. Marques- Instituto Sedes Sapientiae
Cristina Maria Souza Monteiro - UNIP
Maria Paula Parisi Lauria – Instituto Sedes Sapientiae
Mediação: Ms. Elisa Maria Pitombo- Instituto Sedes Sapientiae





domingo, 22 de maio de 2011

Como estrelas na Terra, toda criança é especial



Como estrelas na Terra, toda criança é especial
Índia, 2007 - 165 min.
Direção: Aamir Khan
Roteiro: Amole Gupte
Produção: Aamir Khan, B. Shrinivas Rao, Kiran Rao
Elenco: Darsheel Safary, Aamir Khan, Tanay Chheda, Sachet Engineer, Tisca Chopra, Vipin Sharma
Fotografia: M. Sethuraaman (Setu)
Edição: Deepa Bhatia
Música: Shankar Mahadevan, Loy Mendonsa, Ehsaan Noorani
Estúdio: Aamir Khan Productions


Era uma vez um menino que gostava de peixes pequeninos, tintas coloridas e pequenas inutilidades encontradas pelo caminho. Esse menino olhava para as letras e elas dançavam, concentrava-se nos números e eles ganhavam vida e viravam personagens. Seus cadernos eram plenos de marcas vermelhas; sua letra, quase um hieróglifo; suas provas, divertimento para os cachorros de rua; sua fama, de burro, distraído e vagabundo.
Essa é a história de Ishaan Awasthi, um menino indiano de 9 anos retratado no filme “Toda criança é especial”: um caso típico de dislexia, mostrado em toda sua trajetória, do fracasso à superação, com a mediação fundamental de um verdadeiro educador e toques de tinta bollywoddianas.
Produzido e dirigido por Aamir Khan, que também atua no filme como o professor Ram Nikumbh, que enxerga no infeliz Ishann algum potencial escondido e o leva a sair do lugar de fracassado, o filme foi lançado em 2007, com o título original “Taare Zameen Par – Every child is special”. Por retratar uma trajetória muito humana, basear-se em história real e ser bem fundamentado quanto aos sintomas e aos tratamentos da dislexia, o filme abriu o ciclo de encontros mensais do grupo Desenrolando a fita, composto por profissionais em formação nas áreas de Psicopedagogia e Psicologia, cuja intenção é debater temas oriundos de filmes exibidos no circuito comercial ou não.    
            Uma das primeiras impressões a respeito da personagem principal do filme Como estrelas na Terra, toda criança é especial, o garoto Ishaan, é a de que ele não cabia no cenário, tanto literalmente (em certos takes em que sua cabeça parecia enorme e ele mesmo soava desproporcional em relação ao ambiente em que estava) como também simbolicamente, deslocado daquilo que o espaço impunha como limites.
            Muito mais ligado à mãe, o menino era regido pelo princípio do prazer e não pelo princípio da realidade ─ manifesto no filme pelo pai ausente ─ o que parece ser um dos motivos pelos quais não consegue aprender. Há uma grande facilitação da mãe, que faz algumas atividades por ele, levando-o a ter dificuldades com coisas simples, como amarrar os sapatos ou vestir-se. A mãe, bastante cuidadora, apesar de seus esforços, não oportunizou a aprendizagem e não exerceu o papel regulador nessa dinâmica familiar marcada pela ausência do pai. Não foi, em linguagem winnicotiana, a mãe "suficientemente boa".
            Há sinais de prosperidade nessa família indiana, um reflexo do desenvolvimento econômico do próprio país: os filhos que estudam em uma escola elitizada, o pai que se prepara para a batalha diária no mundo do trabalho, o filho que joga tênis e é instigado a ser competitivo. O pai é um workaholic, inserido no sistema produtivo em busca da ascensão econômica. Entretanto, Ishaan está deslocado no interior desse grupo familiar. Parece um ponto fora da curva, o que se evidencia em cenas como a do sonho do trem (a estação está lotada, a mãe sobe no trem e ele não consegue entrar no vagão) e no flip-book em que retrata sua família e vai mostrando seu afastamento dela.
             Diante dos sucessivos fracassos na escola em que estuda, localizada em Bombaim, o pai de Ishaan decide matriculá-lo em outra escola, tida como linha dura, ainda mais normatizadora. O lema desse colégio interno, Nova Era, é segundo o diretor “domar cavalos selvagens”.
            O ingresso nessa escola é entendido como castigo por Ishaan. Quando conhece o único amigo no novo colégio, questiona-o sobre os motivos de estar lá, o que teria feito de errado para seus pais o mandarem para aquela escola.
            A postura opressora da escola, o evidenciamento do erro e do fracasso e o afastamento dos pais faz com que Ishaan fique cada vez mais deprimido. Não se comunica, não come, se nega a conversar com a família e finalmente para de pintar, o que sempre gostou de fazer.
O surgimento do professor de artes substituto, com uma abordagem muito diversa daquela dos professores do colégio, muda a vida de Ishaan e de toda a escola.  A competição de pinturas proposta por ele foi um marco da mudança na cultura da escola: essa atividade artística pôde incluir alunos e mesmo alguns professores, que tiveram a oportunidade de lidar com atividades sobre as quais não tinham domínio.
É verdade que houve, no filme, uma evolução rápida do garoto a partir das intervenções psicopedagógicas do novo professor, acostumado a lidar com crianças com necessidades especiais. O filme deu mais ênfase ao sofrimento de Ishaan que ao processo de transformação que passa a partir do olhar desse professor. Ainda assim, é bastante didático ao mostrar o quanto a escola ainda está despreparada para lidar com alunos que apresentam formas e ritmos de aprendizagem diferentes dos da maioria.
Entra em cena, portanto, a dislexia, que vinha manifestando já nos primeiros anos escolares sem que ninguém se desse conta desse distúrbio.
Cabe ressaltar que nem sempre uma criança disléxica ou com qualquer outra dificuldade de aprendizagem escolar será um "gênio" ou um artista brilhante. Mas certamente ela poderá ter maior facilidade em outros tipos de atividade.
A dislexia:
- é sempre de fundo orgânico e pode se somar a questões ambientais
-  aponta para certa dificuldade de localização espacial, certa lentidão na motricidade, dificuldade de sequência e problemas com a lateralidade
- por vezes leva a confundir cores (não é o caso de Ishaan)
- pode se caracterizar pela inversão (espelhamento) de letras, mas nem sempre
        Ao final do nosso debate, pensamos no papel do professor e na dinâmica escolar atual frente à dislexia.
        A atenção flutuante das crianças e jovens que são capazes de fazer várias atividades ao mesmo tempo está sendo estudada e não se sabe ainda se é efetivamente uma vantagem, uma vez que há indícios de que essa atenção se divide superficialmente entre várias coisas mas não se aprofunda.
        Embora o professor atualmente busque se renovar ao longo de sua prática, não será possível dar conta de tudo: de estar em sintonia com as novas tecnologias, de desenvolver atividades de ensino cada vez mais inusitadas para manter a atenção do aluno, nessa supervalorização do novo, da novidade. No entanto continua sendo sua função desenvolver o pensamento crítico, a habilidade de argumentar e de levar o aluno ser no mundo.







Grupo de discussão:
Alcione Marques - Instituto Sedes Sapientiae
Cristina Maria Souza Monteiro - UNIP
Jandira P. C. Melo - Instituto Sedes Sapientiae
Maria Paula Parisi Lauria - Instituto Sedes Sapientiae
Vera Inez Nunes Vianna - Instituto Sedes Sapientiae
Mediação: Ms. Elisa Maria Pitombo - Instituto Sedes Sapientiae