quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Minhas tardes com Margueritte

(La tête en friche)

Diretor: Jean Becker
Elenco: Gérard Depardieu, Gisèle Casadesus, Maurane, Patrick Bouchitey, Jean-François Stévenin, François-Xavier Demaison, Claire Maurier, Sophie Guillemin
Produção: Louis Becker
Roteiro: Jean Becker, Jean-Loup Dabadie
Duração: 82 min.
Ano: 2010
País: França
Gênero: Drama
Classificação: 12 anos



A partir do livro de Marie-Sabine Roger, o filme Minhas tardes com Margueritte  trata da doçura e da profundidade que os encontros podem alcançar. Nesse filme delicioso, acontece um encontro improvável entre Margueritte, uma nonagenária culta, apreciadora dos clássicos franceses, que diariamente vai à praça ler e apreciar a paisagem e Germain, um quarentão quase iletrado que entre um bico e outro descansa na mesma praça, conta os pombos e lhes dá nomes.

Aliás, dar nomes às coisas é algo que se mostra importante para Germain. Nesse processo de nomeação, entre cenas da vida adulta de Germain e de sua infância, o filme vai revelando a relação difícil com a mãe -- que o julgava um nada e que o tratava por "isto" -- desprezando-o e mal disfarçando o peso que o filho representava em sua vida. Nos paralelos que o filme faz das situações da vida adulta de Germain com sua infância, aparece o professor que faz troça de seu nome quando com ele compõe um poema em que ironiza as dificuldades de Germain nas atividades escolares. Assim que Margueritte lhe dá um dicionário, que não é etimológico, entre as primeiras palavras que procura estão os nomes das pessoas que ama, além de seu próprio nome. Em uma das primeiras cenas do filme, para desgosto do prefeito da cidadezinha, Germain escreve novamente seu nome no “Túmulo das crianças que morreram pela França”. Ao inscrever seu nome naquele monumento, Germain se coloca como uma daquelas crianças, como se, a exemplo delas, tivesse tido sua infância roubada pelas circunstâncias da vida.

A partir dos encontros no parque com Margueritte, que com aparente despretensão puxa conversa com Germain, podemos perceber como a palavra ouvida e lida vai organizando a vida da personagem, o que nos remete à afirmação de Vygotsky de que a linguagem organiza o pensamento. A partir das histórias lidas por Margueritte, Germain vai relendo  sua própria vida e se apropriando, com os recursos de que dispõe, de uma linguagem que não pode se desenvolver plenamente quando ele era criança. Esse mote está presente também no título original: a expressão francesa “en friche” remete a não cultivado, ou seja, Germain encarna a personagem cuja cabeça não foi cultivada, mas que agora tem a possibilidade de florescer e frutificar.

Margueritte vem ocupar uma função materna importante, suprindo Germain com ternura e delicadeza, na forma de uma tremenda mediadora de leitura que se impõe delicadamente, com  gestos de aceitação, entendimento e valorização. Esse resgate da auto-estima de Germain, promovido pelo contato com Margueritte, é similar a uma atitude desejável na prática psicopedagógica, de qualificar pequenas ações para que a partir delas o aprendente possa ir se abrindo às palavras e superando seus medos. Entretanto esse percurso tem também suas quedas, como na cena em que, irritado por não encontrar no dicionário as palavras que procura, Germain o devolve a Margueritte, dizendo: “Tentei aprender, mas dói demais”. Também nós encontramos, no atendimento psicopedagógico, aqueles que sucumbem temporariamente a essa dor do aprender,  para alguns demasiado pesada, um obstáculo difícil de transpor.

Esse movimento de Germain, de ir configurando em palavras sua grande sensibilidade, causa estranheza no grupo de amigos que frequenta: ninguém entende muito bem por que o homem rude, embora extremamente generoso, põe-se agora a falar de livros e a renovar seu vocabulário. Nem mesmo sua namorada entende, no início, o que está mobilizando Germain e provocando nele um olhar diferenciado para sua própria história.

Entre os pontos altos do filme estão os diálogos entre as personagens e, particularmente, a apropriação e o uso que Germain faz das palavras, na forma de tiradas linguísticas, o que garante ao espectador algumas boas risadas.


Ficha técnica obtida em :
http://www.cineclick.com.br/criticas/ficha/filme/minhas-tardes-com-margueritte/id/2723