Título original: Precious
Diretor: Lee Daniels
Elenco: Gabourey Sidibe, Mo'Nique, Paula Patton, Mariah Carey, Lenny Kravitz.
Duração: 110 min.
Ano: 2009
País: EUA
Gênero: Drama
Nossa discussão começou com a fala da Elisa: “Nossa, acho
que carregaram na tinta! É muita desgraça para uma pessoa só!” Assim é Preciosa, uma história de esperança (EUA,
2099), um filme impactante sobre uma adolescente que enfrenta enormes
dificuldades, numa vida recheada de tragédias.
Preciosa vive com a mãe no Harlem, subúrbio de Nova Iorque,
num pequeno apartamento escuro e pobre. É negra, obesa, foi abusada pelo pai,
de quem teve uma filha com Síndrome de Down que é criada pela avó, e está
grávida dele novamente.
A mãe é de uma crueldade que fez algumas de nós ter de parar
para respirar durante o filme. Acusa a filha de ter feito “seu homem” ir
embora, usa de violência física e psicológica com constantes xingamentos e
depreciações, obriga Preciosa a fazer todos os afazeres domésticos, incluindo a
comida, que deve ingerir em grandes quantidades para que fique cada vez mais
obesa. Permitiu o abuso da filha pelo pai em prol de sua própria conveniência e considera que toda a família deve ficar com ela para que
possa tirar partido dos benefícios sociais dessa proximidade.
No início, a adolescente fala pouco e suas feições são
carregadas. Ela não tem voz como pessoa. Mesmo com a oposição da mãe, ela frequenta
a escola, onde fica alheia e não consegue ler ou escrever. Preciosa se refugia
em suas pequenas fantasias onde se imagina com um namorado branco e bonito, vive
num mundo de glamour e se vê amada. Talvez
tenha sido esse o caminho para que ela mantivesse sua sanidade.
Quando percebe que Preciosa está grávida novamente, a
diretora da escola regular recomenda que ela procure uma escola alternativa. E
a alternativa vem cheia de significados – “alter” é outro e é a partir do olhar
do outro que Preciosa passa a existir. As relações que pode estabelecer com a
professora e com os colegas fazem com que possa se reconhecer. A nova escola é
um ambiente que dá possibilidades e oportunidades, um ambiente “suficientemente
bom”.
Pensamos na importância dessa professora e o quanto ela age
psicopedagogicamente. Dá voz aos alunos, todos eles com problemas de
comportamento e de aprendizagem. Quando Preciosa diz à professora que não sabe
nada, essa retruca: “Todo mundo sabe alguma coisa”. Preciosa, certo dia,
responde à pergunta da professora: “Onde você está?” e então pode dizer: “Estou
aqui, estou existindo aqui hoje”.
No começo as letras e as palavras para ela são indistintas:
“Para mim o que está escrito é tudo igual”. Num processo em que vai
diferenciando as letras e as palavras ela pode também se perceber, nomear seus
conflitos, refletindo sobre eles e
externando sua dor. A linguagem, como afirmou Vygostky, organiza o pensamento.
Preciosa passa a trocar um diário com a professora, a ter um
interlocutor que possibilita que ela assuma sua autoria de pensamento. Descobre
o prazer de conhecer e por meio da aprendizagem consegue romper com o ciclo de
violência onde está imersa. Reflete sobre suas possibilidades e faz escolhas,
escolhas vinculadas aos seus valores e crenças.
Embora o desenrolar dramático da história não tenha
conduzido exatamente ao que se pode chamar de “final feliz”, sentimo-nos, de
certa maneira, como sugere o título do filme: cheias de esperança. A esperança
de que sempre haverá uma saída onde houver um olhar que reconheça o outro, um
olhar que permita o encontro, onde se possa SER.